terça-feira, 24 de novembro de 2009

Revista Contra a Corrente dedica número especial em homenagem a Rosa Luxemburgo

Publicamos abaixo a apresentação de Gilson Dantas,
editor da revista Contra a Corrente, para o número especial,
novembro de 2009, em homenagem a Rosa Luxemburgo.

Apresentacão

A 90 anos do assassinato de Rosa Luxemburgo

Através desta edição especial, Contra a Corrente procura integrar-se às homenagens a Rosa Luxemburgo nos 90 anos do seu desaparecimento assassinada pela social-democracia alemã em janeiro de 1919 ao lado de Karl Liebknecht e outros revolucionários alemães. Inspirada, grandiosa, heróica, trágica e acima de tudo uma revolucionária marxista, Rosa Luxemburgo representava, nas palavras de Lenin, o marxismo sem falsificações.

Lida por amplos setores da esquerda, muito mais traduzida, publicada e discutida em recentes décadas que no seu próprio tempo, em que foi desterrada pelo stalinismo e pela social-democracia, Rosa Luxemburgo não tem sido compreendida – em profundidade – na mesma medida.

Haverá um esforço desta edição especial de Contra a Corrente, através da pena de diferentes estudiosos e admiradores do seu pensamento, no sentido de se procurar resgatar a memória, as idéias e as atividades políticas que marcam a contribuição dessa eminente revolucionária para a causa da classe trabalhadora mundial. A ênfase serão suas idéias e sobretudo a contemporaneidade de suas idéias. E, evidentemente, como se trata de uma publicação aberta a certa diversidade do pensamento marxista, neste número serão publicadas idéias que discutem e divergem entre si.

Não se pode perder de vista que, da mesma forma que se deu com outros autores marxistas autênticos, seu pensamento tem sido objeto de deformações ou unilateralizaçoes – e apropriações de seus pontos mais fracos – o que obriga todo leitor consciente a uma leitura atenta e mesmo a levar uma luta em defesa de Rosa contra seus parcializadores e falsificadores. Não se trata de um fenômeno que diga respeito apenas a Rosa: deu-se o mesmo, por exemplo, com relação a Lênin, amplamente distorcido, parcializado e utilizado pelo stalinismo (com seu “marxismo-leninismo” de manual, de catecismo). A própria Rosa passou grande parte da sua vida pessoal e política em luta contra as falsificações de Marx levadas a cabo, já em seu tempo, pela direção do seu partido, o maior partido operário de então, a social-democracia alemã (SPD).

Em seu discurso de fundação do Partido Comunista alemão, semanas antes de ser espancada e executada com um tiro na cabeça, Rosa Luxemburgo argumentava com eloqüência que “o verdadeiro marxismo também volta suas armas contra aqueles que pretendam falsificá-lo”.

No caso de Rosa, com alguma freqüência ela é reivindicada pelos movimentos semi-anarquistas, autonomistas e em outras ocasiões fica parecendo que se tratava de uma militante anti-partido – coisa que ela definitivamente não foi – e com freqüência textos de momentos anteriores do seu pensamento, um pensamento que evoluía a cada passo, são utilizados sem qualquer referência à evolução e mutações da própria autora ou ao momento em que foram formulados.

O que também deve ser levado em conta é que – como ocorre com outros autores – há pontos fracos da sua teoria e são precisamente os que aqui e ali são utilizados, por exemplo, para um combate indevido, ou utilização indevida de Rosa, contra o bolchevismo de Lenin e Trotski e, em especial, em defesa do espontaneísmo e contra o papel da vanguarda e do partido revolucionário nos processos revolucionários.

Os textos iniciais sobre Rosa que constam deste Dossiê aarosa-90 anos registram opiniões que dialogam entre si em torno de diferentes aspectos da memória de Rosa Luxemburgo e justamente um dos objetivos dessa homenagem ativa à autora pretende ser o de que tais textos suscitem um debate onde o leitor, com seu próprio discernimento crítico, forme uma opinião mais próxima possível da necessidade teórica e política do pensamento de Rosa em relação às lutas que começam e que estão por vir. Especialmente o texto de Bárbara Funes - e os documentos finais -, no Apêndice, podem receber especial atenção, nesse sentido.

Em parte por isso este Dossiê Rosa-90 anos, além de artigos contemporâneos sobre Rosa, procurou trazer para este Apêndice documentos históricos - que abarcam de Lenin, Trotski a Mandel - todos na linha de mostrar o gigantismo do papel de Rosa e de suas elaborações, a estatura de uma poderosa referência para a classe mesmo quando elabora suas formulações mais frágeis, mesmo sendo utilizada unilateralmente por autores de menor porte; ou seja, por autores que – deliberadamente ou não – procuram desviar o leitor do fato de que Rosa Luxemburgo estava alinhada com a revolução bolchevique e jamais com seus detratores.

No fundo da sua impotência revolucionária ou do seu flerte com o pensamento liberal-democratista, alguns neo-‘luxemburguistas’ procuram enfrentar Rosa contra Rosa. Ou tentam minimizar a riqueza do pensamento de Rosa que a fez enxergar que os bolcheviques eram, por exemplo, portadores da honra e da capacidade de ação que “tanto falta à social-democracia ocidental”, nos seus dizeres; pela mesma razão Trotski, sem hesitação, escreveu vigoroso texto de resgate de Rosa contra os ataques de Stalin, em 1935. Neste seu texto, que consta do Apêndice desta revista, Trotski afirma que “se deixarmos de lado [em Rosa, GD] tudo aquilo que é acessório e já ultrapassado pela evolução, temos todo o direito de colocar nosso trabalho pela IV Internacional sob o signo dos “três L”, ou seja, não apenas sob o de Lenin, mas igualmente sob o de Luxemburgo e Liebknecht”.

A atividade febril dos últimos dias de vida de Rosa Luxemburgo, em pleno calor das mobilizações operárias e da formação de sovietes em varias cidades da Alemanha – ao fundar o partido comunista, ao procurar articular a vanguarda revolucionária ou ao priorizar os conselhos operários contra o parlamento, por exemplo - valem como depoimentos públicos no sentido de afirmação de uma Rosa muito amadurecida e mais colada ainda mais na perspectiva revolucionária da classe trabalhadora e dos bolcheviques.

Naquele já citado discurso, de fundação do partido - o PCA de Rosa e Liebknecht, que com toda certeza iria incorporar-se à III Internacional de Lenin e Trotski - três meses antes do seu assassinato, ele declara: “Passo a passo, na luta corpo a corpo, em cada província, em cada cidade, em cada aldeia, em cada comuna, todos os poderes estatais devem passar, um a um, da burguesia aos conselhos de operários e soldados”. Rosa fundava um partido para essa tarefa, para esta meta e para o programa aplicado pelos bolcheviques na Rússia.

Aqui se vê Rosa Luxemburgo organizando a vanguarda, o partido, procurando organizar a estratégia revolucionária e soviética para a República dos conselhos (soviética) e, ao mesmo tempo, correndo contra o trágico relógio do tempo histórico, tal como ele se desenrolava na Alemanha daqueles anos revolucionários.

Nos tempos atuais, quando mais uma vez o relógio da revolução pode estar se preparando para acelerar seus tempos – nos primeiros momentos de uma crise histórica do capitalismo, a partir de seus fundamentos econômicos – tem crucial importância o resgate do “marxismo sem falsificações” de Rosa Luxemburgo.

Vale enfatizar que os documentos que constam em anexo neste dossiê – de Lenin, Trotski, Mandel - são, na nossa ótica, verdadeiro substrato de idéias vivas e atuais em torno do que realmente foi Rosa Luxemburgo. E da sua atualidade. Empreendem um resgate político e teórico dos temas tão caros para Rosa e, ao mesmo tempo, tão absolutamente necessários para a organização da estratégia revolucionária hoje.

Chamam a atenção para o pensamento e estatura de gigante de Rosa Luxemburgo ao mesmo tempo em que registram aspectos do seu pensamento historicamente superados, ou que não se confirmaram na prática histórica, sendo um deles a idéia de que a classe trabalhadora possa por de pé uma nova sociedade sem organizar-se em forma de partido revolucionário que previamente prepare as condições para sustentar o poder; o novo poder que, como Rosa Luxemburgo enfatizava, deve basear-se nos conselhos operários desde o primeiro momento e deve instituir-se como república soviética, forma revolucionária de Estado em desconstrução e em transição ao socialismo.

Na esperança de estarmos contribuindo para um debate vivo e rigorosamente inserido na prática da nova temporada histórica de esperança e de lutas da classe operária mundial trazemos para o conhecimento de todos os que se interessam pelo pensamento de Rosa Luxemburgo este dossiê Rosa-90 anos com textos, análises e documentos históricos que nos levem, junto com Rosa, em seu vôo de águia, para além dos limites de sua época e para o interior dos novos tempos da revolução.

Seria mais uma tragédia histórica para a classe trabalhadora que o atual desenvolvimento da sua subjetividade contra o capitalismo, em meio à crise global do sistema, esbarrasse em lideranças de massa e partidos de esquerda que - confundidos pelo século da degeneração stalinista do movimento comunista mundial e pelas sucessivas e variadas deformações do marxismo -, novamente se utilizasse de Rosa Luxemburgo para defender o espontaneísmo, a não-preparação dos revolucionários para a revolução ou a falta de clareza sobre a absoluta e imperiosa prioridade da democracia dos trabalhadores contra qualquer forma de parlamentarismo ou de institucionalidade burguesa.

Nota

[1] Rosa Luxemburgo (1871-1919): integrou o grupo fundador do Partido Social Democrata polonês e a direção da ala esquerda do Partido Social Democrata alemão (SPD), dentro do qual ela levou um longo combate contra o revisionismo e o apoio do SPD à burguesia alemã na I Guerra Mundial. Ela e Karl Liebknecht fundaram a Spartakusbund (Liga Espartaquista) em 1915, convertida em dezembro de 1918 em Partido Comunista da Alemanha (KPD) logo depois que Rosa foi libertada pela Revolução de Novembro quando os trabalhadores e soldados derrubaram o Império do kaiser para serem sufocados pouco depois pelo seu próprio partido reformista (SPD). Rosa Luxemburgo e Liebknecht foram assassinados em 15 de janeiro de 1919 por ordem do governo social-democrata que dirigiu o país a partir daquela revolução; os dois dirigentes lideraram o levantamento espartaquista derrotado e que se propunha à instauração de uma república soviética e a propagação da revolução mundial.

Gilson Dantas
Editor de Contra a Corrente
Brasília, DF, 29/10/2009

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