terça-feira, 24 de novembro de 2009

Revista Contra a Corrente dedica número especial em homenagem a Rosa Luxemburgo

Publicamos abaixo a apresentação de Gilson Dantas,
editor da revista Contra a Corrente, para o número especial,
novembro de 2009, em homenagem a Rosa Luxemburgo.

Apresentacão

A 90 anos do assassinato de Rosa Luxemburgo

Através desta edição especial, Contra a Corrente procura integrar-se às homenagens a Rosa Luxemburgo nos 90 anos do seu desaparecimento assassinada pela social-democracia alemã em janeiro de 1919 ao lado de Karl Liebknecht e outros revolucionários alemães. Inspirada, grandiosa, heróica, trágica e acima de tudo uma revolucionária marxista, Rosa Luxemburgo representava, nas palavras de Lenin, o marxismo sem falsificações.

Lida por amplos setores da esquerda, muito mais traduzida, publicada e discutida em recentes décadas que no seu próprio tempo, em que foi desterrada pelo stalinismo e pela social-democracia, Rosa Luxemburgo não tem sido compreendida – em profundidade – na mesma medida.

Haverá um esforço desta edição especial de Contra a Corrente, através da pena de diferentes estudiosos e admiradores do seu pensamento, no sentido de se procurar resgatar a memória, as idéias e as atividades políticas que marcam a contribuição dessa eminente revolucionária para a causa da classe trabalhadora mundial. A ênfase serão suas idéias e sobretudo a contemporaneidade de suas idéias. E, evidentemente, como se trata de uma publicação aberta a certa diversidade do pensamento marxista, neste número serão publicadas idéias que discutem e divergem entre si.

Não se pode perder de vista que, da mesma forma que se deu com outros autores marxistas autênticos, seu pensamento tem sido objeto de deformações ou unilateralizaçoes – e apropriações de seus pontos mais fracos – o que obriga todo leitor consciente a uma leitura atenta e mesmo a levar uma luta em defesa de Rosa contra seus parcializadores e falsificadores. Não se trata de um fenômeno que diga respeito apenas a Rosa: deu-se o mesmo, por exemplo, com relação a Lênin, amplamente distorcido, parcializado e utilizado pelo stalinismo (com seu “marxismo-leninismo” de manual, de catecismo). A própria Rosa passou grande parte da sua vida pessoal e política em luta contra as falsificações de Marx levadas a cabo, já em seu tempo, pela direção do seu partido, o maior partido operário de então, a social-democracia alemã (SPD).

Em seu discurso de fundação do Partido Comunista alemão, semanas antes de ser espancada e executada com um tiro na cabeça, Rosa Luxemburgo argumentava com eloqüência que “o verdadeiro marxismo também volta suas armas contra aqueles que pretendam falsificá-lo”.

No caso de Rosa, com alguma freqüência ela é reivindicada pelos movimentos semi-anarquistas, autonomistas e em outras ocasiões fica parecendo que se tratava de uma militante anti-partido – coisa que ela definitivamente não foi – e com freqüência textos de momentos anteriores do seu pensamento, um pensamento que evoluía a cada passo, são utilizados sem qualquer referência à evolução e mutações da própria autora ou ao momento em que foram formulados.

O que também deve ser levado em conta é que – como ocorre com outros autores – há pontos fracos da sua teoria e são precisamente os que aqui e ali são utilizados, por exemplo, para um combate indevido, ou utilização indevida de Rosa, contra o bolchevismo de Lenin e Trotski e, em especial, em defesa do espontaneísmo e contra o papel da vanguarda e do partido revolucionário nos processos revolucionários.

Os textos iniciais sobre Rosa que constam deste Dossiê aarosa-90 anos registram opiniões que dialogam entre si em torno de diferentes aspectos da memória de Rosa Luxemburgo e justamente um dos objetivos dessa homenagem ativa à autora pretende ser o de que tais textos suscitem um debate onde o leitor, com seu próprio discernimento crítico, forme uma opinião mais próxima possível da necessidade teórica e política do pensamento de Rosa em relação às lutas que começam e que estão por vir. Especialmente o texto de Bárbara Funes - e os documentos finais -, no Apêndice, podem receber especial atenção, nesse sentido.

Em parte por isso este Dossiê Rosa-90 anos, além de artigos contemporâneos sobre Rosa, procurou trazer para este Apêndice documentos históricos - que abarcam de Lenin, Trotski a Mandel - todos na linha de mostrar o gigantismo do papel de Rosa e de suas elaborações, a estatura de uma poderosa referência para a classe mesmo quando elabora suas formulações mais frágeis, mesmo sendo utilizada unilateralmente por autores de menor porte; ou seja, por autores que – deliberadamente ou não – procuram desviar o leitor do fato de que Rosa Luxemburgo estava alinhada com a revolução bolchevique e jamais com seus detratores.

No fundo da sua impotência revolucionária ou do seu flerte com o pensamento liberal-democratista, alguns neo-‘luxemburguistas’ procuram enfrentar Rosa contra Rosa. Ou tentam minimizar a riqueza do pensamento de Rosa que a fez enxergar que os bolcheviques eram, por exemplo, portadores da honra e da capacidade de ação que “tanto falta à social-democracia ocidental”, nos seus dizeres; pela mesma razão Trotski, sem hesitação, escreveu vigoroso texto de resgate de Rosa contra os ataques de Stalin, em 1935. Neste seu texto, que consta do Apêndice desta revista, Trotski afirma que “se deixarmos de lado [em Rosa, GD] tudo aquilo que é acessório e já ultrapassado pela evolução, temos todo o direito de colocar nosso trabalho pela IV Internacional sob o signo dos “três L”, ou seja, não apenas sob o de Lenin, mas igualmente sob o de Luxemburgo e Liebknecht”.

A atividade febril dos últimos dias de vida de Rosa Luxemburgo, em pleno calor das mobilizações operárias e da formação de sovietes em varias cidades da Alemanha – ao fundar o partido comunista, ao procurar articular a vanguarda revolucionária ou ao priorizar os conselhos operários contra o parlamento, por exemplo - valem como depoimentos públicos no sentido de afirmação de uma Rosa muito amadurecida e mais colada ainda mais na perspectiva revolucionária da classe trabalhadora e dos bolcheviques.

Naquele já citado discurso, de fundação do partido - o PCA de Rosa e Liebknecht, que com toda certeza iria incorporar-se à III Internacional de Lenin e Trotski - três meses antes do seu assassinato, ele declara: “Passo a passo, na luta corpo a corpo, em cada província, em cada cidade, em cada aldeia, em cada comuna, todos os poderes estatais devem passar, um a um, da burguesia aos conselhos de operários e soldados”. Rosa fundava um partido para essa tarefa, para esta meta e para o programa aplicado pelos bolcheviques na Rússia.

Aqui se vê Rosa Luxemburgo organizando a vanguarda, o partido, procurando organizar a estratégia revolucionária e soviética para a República dos conselhos (soviética) e, ao mesmo tempo, correndo contra o trágico relógio do tempo histórico, tal como ele se desenrolava na Alemanha daqueles anos revolucionários.

Nos tempos atuais, quando mais uma vez o relógio da revolução pode estar se preparando para acelerar seus tempos – nos primeiros momentos de uma crise histórica do capitalismo, a partir de seus fundamentos econômicos – tem crucial importância o resgate do “marxismo sem falsificações” de Rosa Luxemburgo.

Vale enfatizar que os documentos que constam em anexo neste dossiê – de Lenin, Trotski, Mandel - são, na nossa ótica, verdadeiro substrato de idéias vivas e atuais em torno do que realmente foi Rosa Luxemburgo. E da sua atualidade. Empreendem um resgate político e teórico dos temas tão caros para Rosa e, ao mesmo tempo, tão absolutamente necessários para a organização da estratégia revolucionária hoje.

Chamam a atenção para o pensamento e estatura de gigante de Rosa Luxemburgo ao mesmo tempo em que registram aspectos do seu pensamento historicamente superados, ou que não se confirmaram na prática histórica, sendo um deles a idéia de que a classe trabalhadora possa por de pé uma nova sociedade sem organizar-se em forma de partido revolucionário que previamente prepare as condições para sustentar o poder; o novo poder que, como Rosa Luxemburgo enfatizava, deve basear-se nos conselhos operários desde o primeiro momento e deve instituir-se como república soviética, forma revolucionária de Estado em desconstrução e em transição ao socialismo.

Na esperança de estarmos contribuindo para um debate vivo e rigorosamente inserido na prática da nova temporada histórica de esperança e de lutas da classe operária mundial trazemos para o conhecimento de todos os que se interessam pelo pensamento de Rosa Luxemburgo este dossiê Rosa-90 anos com textos, análises e documentos históricos que nos levem, junto com Rosa, em seu vôo de águia, para além dos limites de sua época e para o interior dos novos tempos da revolução.

Seria mais uma tragédia histórica para a classe trabalhadora que o atual desenvolvimento da sua subjetividade contra o capitalismo, em meio à crise global do sistema, esbarrasse em lideranças de massa e partidos de esquerda que - confundidos pelo século da degeneração stalinista do movimento comunista mundial e pelas sucessivas e variadas deformações do marxismo -, novamente se utilizasse de Rosa Luxemburgo para defender o espontaneísmo, a não-preparação dos revolucionários para a revolução ou a falta de clareza sobre a absoluta e imperiosa prioridade da democracia dos trabalhadores contra qualquer forma de parlamentarismo ou de institucionalidade burguesa.

Nota

[1] Rosa Luxemburgo (1871-1919): integrou o grupo fundador do Partido Social Democrata polonês e a direção da ala esquerda do Partido Social Democrata alemão (SPD), dentro do qual ela levou um longo combate contra o revisionismo e o apoio do SPD à burguesia alemã na I Guerra Mundial. Ela e Karl Liebknecht fundaram a Spartakusbund (Liga Espartaquista) em 1915, convertida em dezembro de 1918 em Partido Comunista da Alemanha (KPD) logo depois que Rosa foi libertada pela Revolução de Novembro quando os trabalhadores e soldados derrubaram o Império do kaiser para serem sufocados pouco depois pelo seu próprio partido reformista (SPD). Rosa Luxemburgo e Liebknecht foram assassinados em 15 de janeiro de 1919 por ordem do governo social-democrata que dirigiu o país a partir daquela revolução; os dois dirigentes lideraram o levantamento espartaquista derrotado e que se propunha à instauração de uma república soviética e a propagação da revolução mundial.

Gilson Dantas
Editor de Contra a Corrente
Brasília, DF, 29/10/2009

sábado, 21 de novembro de 2009

Rosa Luxemburgo: grande lutadora e revolucionária polonesa

Por Barbara Funnes, do Partido dos Trabalhadores Socialistas (Argentina),
autora do capítulo Vermelhas, e dos artigos 'Rosa Luxemburgo',
'Pen Pi Lan', 'Natalia Sedova' e 'Mika Etchebéhère' do livro
"Lutadoras. Histórias de mulheres que fizeram história".
O artigo que reproduzimos abaixo,
é o artigo "Rosa Luxemburgo" deste livro.
.
Rosa Luxemburgo
.
"O socialismo deixou de ser um esquema, uma bonita ilusão ou um
experimento realizado em cada país por grupos de operários
ilhados, cada um deixado a sua própria sorte. Programa
político de ação comum para todo o proletariado internacional,
o socialismo se torna uma necessidade histórica, resultado do agir
das próprias leis do desenvolvimento capitalista.”
Rosa Luxemburgo

O ano era 1871. Dias antes de que os operários franceses proclamassem a Comuna de Paris , em 5 de março, nasceu Rosa Luxemburgo no seio de uma família judia na Polônia, uma mulher cuja vida esteve marcada pela revolução. Nesta época a Alemanha e a Rússia disputavam o território polonês. Em 1874 sua família se mudou para Varsóvia. Para “russificar” o país, o czarismo proibiu que se falasse polonês. O uso clandestino dessa língua se converteu na forma de protesto dos estudantes, as escolas eram núcleos de agitação contra o absolutismo. Já ao terminar seus estudos, a medalha de ouro foi negada à Rosa por conta de sua atividade clandestina. Aos dezesseis anos, Rosa militava no Partido Revolucionário Socialista Proletariat, com influência marxista. Sob o terror czarista, em 1889 foi criada a Federação dos Trabalhadores Polacos, na qual também participou. Uma greve convocada na cidade de Lodz acabou com o massacre de quarenta e seis operários, assassinados pela guarda czarista. A perseguição política obrigou Rosa a exilar-se em Zurich, onde ingressou na universidade.

Rosa e León Jogishes com Proletariat, a Federação de Trabalhadores Poloneses e dois grupos cindidos do Partido Socialista Polonês (PPS) fundaram o novo partido polonês, que em 1893 começou a editar em Paris o periódico Sprawa Robotnizca (A Causa Operária). Rosa tinha somente vinte e dois anos. Quando o partido pediu sua adesão à II Internacional , ela redigiu o informe, revelando sua grande capacidade dirigente. Dessa época é sua teoria de que a autodeterminação dos povos é uma herança da revolução burguesa, não uma tarefa socialista, diferenciando-se de Lênin, que sustentava o direito à autodeterminação das nações oprimidas .
Em 1896, na Silésia, Rosa foi a voz do SPD para a agitação entre os mineiros poloneses, e então, demonstrou a capacidade de transmitir e chegar às massas operárias com uma mensagem revolucionária. Os trabalhadores lhe levavam flores e lhe rogavam que os ajudasse em suas lutas. Em 1903 foi julgada e condenada por insultar ao Kaiser.

1898: Reforma ou Revolução

Em 1898, Rosa escreve “Reforma ou Revolução”, um panfleto polêmico contra as posições reformistas de Eduard Bernstein , um dos dirigentes do SPD. Esta foi sua entrada em cena no partido. Bernstein reivindicava que se poderia obter melhoras para o nível de vida das massas trabalhadoras sem a necessidade de fazer a revolução. Para Rosa, integrante da esquerda da II Internacional, a luta pelas reformas era um meio para conquistar um fim: a conquista do poder pela classe operária. Para Bernstein, pelo contrário, “O objetivo final seja qual for nada é; o movimento é tudo ”. Para ele, nesse momento, na Europa ocidental, não se podia falar de reação: a situação dos operários estava melhorando. As conseqüências de sua caracterização são contundentes. Bernstein constituiu o braço teórico das tendências oportunistas dentro do SPD, que anos depois levaria à traição histórica de votar os créditos de guerra, dando aval ao massacre imperialista.

As idéias de Rosa se difundiram a partir desse trabalho, abrindo uma discussão profunda no seio do SPD e da II Internacional, inclusive chegou a aprovar-se resoluções em repúdio a Bernstein que foram votadas por ele mesmo; porém tão formais que Bernstein e seus aliados permaneceram dentro do SPD. A unidade das distintas alas do partido operário melhor organizado, mantida até a revolução de 1918, teve um custo político enorme: o proletariado alemão se viu privado de uma direção revolucionária decidida, à qual não faltasse a firmeza no momento em que a classe operária estivesse em condições de tomar o poder.

Entre as Guerras e as Revoluções

A revolução russa de 1905 teve também suas repercussões na Polônia oprimida pela Rússia imperial . Começou com a greve geral em repúdio ao massacre do “Domingo Sangrento”. A partir de então se sucederam greves operárias em Varsóvia, Lodz e Sosnovitz pela redução da jornada de trabalho e por aumento de salário na indústria metalúrgica, na construção, telégrafos, tecelagens, tipografias, operários calçadistas, entre muitos outros. Entre uma e outra greve, entre a prisão e o lockout patronal ou estatal, os trabalhadores organizaram os primeiros sindicatos na clandestinidade.

Na II Internacional somente Rosa se interessava pelas questões russas e pela cisão no partido russo que estava afiliado à internacional, o POSDR e, uma vez estourada a revolução, escreve numerosos artigos e pronuncia conferências ante os operários alemães, enquanto a burocracia via com melhores olhos os kadetes e os eseristas . Isso lhe custou uma condenação por incitação à violência e uma temporada na prisão. Ao sair, em dezembro de 1905, se muda clandestinamente para Varsóvia, que encontrava-se e guerra, apesar dos conselhos de seus camaradas de não faze-lo pois era perigoso para uma mulher. Ao chegar realizou uma febril atividade, a pesar de seu frágil estado de saúde: desde a redação de panfletos, artigos e proclamações até empunhar o revólver para obrigar os impressores a editar os materiais de seu partido; desde a participação em greves e manifestações até pronunciar discursos nas portas das fábricas, dizendo que era necessário um levante geral.

Enquanto isso, o czarismo russo, derrotado pelo Japão na guerra, e ante a ação revolucionária das massas, se viu obrigado a reconhecer alguns direitos políticos básicos e teve que convocar eleições. Na divisão que ocorreu no partido russo, entre mencheviques e bolcheviques, Rosa Luxemburgo se manteve eqüidistante. Sua concepção da “organização como processo” se enfrentava à tese leninista da necessidade de um partido dirigente, organizado conforme os princípios do centralismo democrático . Não eram esses os fundamentos da social-democracia alemã, somente preocupada pelos contagens eleitorais. Contra o conservadorismo político dessa organização, Rosa enfatizou o papel das massas operárias em ação, nos passos que eram capazes de dar sem direção consciente. Estava profundamente impressionada pela capacidade revolucionária da classe operária na ação. Cria que as massas tinham que ultrapassar e varrer os dirigentes conservadores e criar organizações revolucionárias novas. Sua postura partia de uma errônea interpretação do conceito de autoemanciapção do proletariado, formulado por Marx: “A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”. Este grande revolucionário demonstrou, mediante uma análise econômica e social científico que no sistema capitalista a única classe social capaz de revolucionar a sociedade é a classe operária. Porém também chegou a formular que para cumprir esse papel histórico, a classe operária deve ter seu próprio partido, independente da burguesia e da pequena-burguesia. Portanto, a auto-emancipação do proletariado é válida a nível histórico, mas não como estratégia política. Em sua obra “Marxismo contra Ditadura” Rosa escreve “não podem existir departamentos estanques no núcleo proletário consciente, solidamente enquadrado no partido, e as camadas envolventes do proletariado, já adestradas na luta de classes, e entre as quais aumenta cada dia mais, a consciência de classe”. Para ela, as massas covertiam-se em revolucionárias no curso da luta e nesse momento se criavam as condições para que superassem suas direções conservadoras (leia-se, para ela, a social-democracia). Em 1906, o panfleto “Greve de Massas, Partido e Sindicatos” sustenta que “Na mobilização revolucionária das massas, a luta política e a econômica se fundem em uma, e a fronteira artificial entre sindicalismo e social-democracia como duas formas de organização do movimento operário independentes entre si é varrida pela maré”.
Rosa concebia a consciência de classe do proletariado com uma conseqüência mecânica de sua situação no modo de produção capitalista. Não compreendeu que entre a consciência histórica do proletariado (encarnada no partido) e sua consciência imediata existe uma situação contraditória. Não contempla as rupturas que se produzem na consciência da classe operária em seu caminho desde as lutas econômicas até as lutas políticas, produto de derrotas físicas, de desvios de cooptação das direções e de setores inteiros do proletariado. Subestima o poder da burguesia que detinha o aparato ideológico do Estado encarnado nas escolas, nas universidades, nos meios de comunicação, na Igreja. E superestima a capacidade da classe operária de poder liberar-se da influência desse aparato ideológico por si mesma, apesar das condições de opressão e exploração em que vive. Lênin pelo contrário, concebia o partido revolucionário como a conexão indispensável entre o movimento de massas e a teoria da revolução. A construção do partido deveria ser uma decisão política consciente. Lutou por forjar um partido que reconhecesse que há que se derrotar o capitalismo na luta e compreendesse que a classe operária deveria ser dirigida por uma organização capaz de manter-se de pé sob a pressão do combate, que durante anos se preparasse para o papel que deverá desempenhar nas lutas decisivas, que compreende a necessidade vital de uma organização e direção conscientes. Porém, voltando a Rosa, em 1907, também participou da Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, informando do trabalho da Oficina Socialista Internacional, da qual era a única mulher membro.

Ante os preparativos da Primeira Guerra Mundial, as críticas contra Rosa tomaram as próprias filas do SPD. Era apresentada pela imprensa como “a polonesa sanguinária”. Como testemunho vieram á tona algumas cartas entre Bebel e Adler : “A cachorra raivosa ainda causará muito dano, tanto mais quanto for esperta como um macaco (blizgescheit), enquanto por outro lado carece de todo sentido de responsabilidade e seu único motivo é um desejo quase perverso de auto-justificação” ; “Com todos os jatos de veneno dessa condenada mulher, eu não queria que não estivesse no partido” . Porém também havia camaradas que a admiravam. Disse Ledebour (que não era amigo de Rosa): “A camarda Luxemburgo entrou freqüentemente em conflito comigo... [entretanto], as manifestações de massas contra a guerra e os belicistas, como as que ocorreram não são realização de Muller e do executivo... senão da camarada Luxemburgo, graças a suas críticas” . Rosa reunia características pouco favoráveis para uma sociedade opressiva e discriminatória: era mulher, judia, deficiente física e estrangeira, porém o que mais contribuiu a que os problemas a perseguissem até dentro de seu partido foi seu espírito revolucionário. Aos vinte e sete anos, replicou os insultos da redação do Vörwarts que censurava seus artigos porque chamavam à greve geral e à insurreição. Acusou os “falsos socialistas” com epítetos como o que segue: “Existem dois tipos de seres vivos, os vertebrados que graças a isso podem andar e, em ocasiões correr, e os invertebrados, que somente podem rastejar e viver como parasitas”.

Nos inícios da Primeira Guerra Mundial, em 4 de agosto de 1914, o bloco de deputados da social-democracia votou quase unanimemente os créditos de guerra, com a honrosa exceção de Karl Liebknecht . A primeira conferência internacional anti-bélica foi organizada por mulheres socialistas. Rosa deveria acompanhar Clara Zetkin para fazer as considerações finais desta conferência, entretanto em 18 de fevereiro de 1915 foi detida. A primeira acusação judicial que lhe foi feita era por incitação à insubordinação das tropas, na qual Rosa acusou o militarismo alemão. O promotor pediu um ano de prisão e o encarceramento imediato; Rosa replicou que se ao promotor lhe condenassem a um ano de prisão, fugiria, porém ela não iria correr: podiam encarcera-la ou fazer com ela o que quisessem porque jamais vacilaria em suas convicções. Sua condenação levantou uma onda de indignação e suas denúncias do militarismo, o rearmamento e a guerra imperialista encontraram cada vez mais auditório. Neste campo, Rosa encontrou a seu aliado mais fiel, Karl Liebknecht, com quem também coincidia no internacionalismo. Juntos criaram, em janeiro de 1916, a fração dentro do partido social-democrata com o nome de Espartaco, em honra ao lendário chefe da rebelião dos escravos romanos.

1918: o ano da revolução alemã

As ondas da revolução russa chegam à Alemanha: começa a revolução em um dos países centrais e a derrubada do regime imperial. Em 28 de janeiro de 1919 se declara a greve geral e se inicia a formação dos Conselhos Operários. O proletariado melhor organizado do mundo havia se lançado à batalha: como nunca antes, estava em jogo o futuro da revolução mundial.
A 31 de janeiro a greve é proibida e se declara estado de sítio. A repressão começou. Em março são presos Rosa Luxemburgo e outros espartaquistas que difundiam a propaganda revolucionária no exército. Entre 15 e 17 de abril se produzem greves de massas em Berlim. Em setembro os dirigentes reformistas do SPD decidem participar no governo. A 1º de outubro a Liga Espartaco realiza uma Conferência Nacional e faz um chamamento a formar Conselhos de Operários. Em 20 de outubro, Liebknecht é libertado da prisão de Luckau e é recebido em Berlim por mais de 20 mil trabalhadores. Em 30 de outubro se produzem os primeiros motins nos barcos da marinha de guerra. São reprimidos e quatrocentos marinheiros são presos. Em 1º de novembro, uma grande assembléia de marinheiros em Kiel exige a liberdade dos detidos. Em 3 de novembro se produzem novos motins e seus dirigentes são presos. A conseqüência é uma marcha que, durante seu percurso, consegue desarmar vários oficiais e diversas patrulhas militares. Também em Munich há uma manifestação revolucionária. Em Kiel novas unidades militares se somam à rebelião: já são vinte mil marinheiros e soldados. Se organizam em Conselhos de Soldados – os primeiros da revolução alemã – presididos pelo marinheiro Artelt. Os dirigentes revolucionários das grandes empresas fazem um chamamento à greve geral. Em Stuttgart há uma manifestação a favor da República Socialista. No dia 5 toda Kiel está em greve. Todo o poder passa às mãos dos Conselhos de Operários e Soldados. O ministro Noske promete anistia em troca de que tudo volte à normalidade. Em 6 de novembro os operários abandonam as fábricas e, após alguns conflitos com soldados, tomam o controle da cidade. O mesmo sucede em Bremen, Cuxhaven e outras cidades. Ao dia 7, a revolução e a formação de Conselhos de Operários chega a Oldenburg, Rostock, Magdeburg, Halle, Leipzig, Dresden, Chemitz, Düsseldorf, Frankfurt, Stuttgart, Darmstadt e Nüremberg. Friedrich Ebert, dirigente social-democrata, se comunica com o chanceler Max de Balde e lhe diz: “Se o imperador não abdica, a revolução social é inevitável. Eu também não desejo a revolução. Para mim é como um pecado”.
Em Munich, o Conselho de Operários e Soldados vai ao Parlamento, declara o fim da dinastia de Baviera e proclama a República destituindo o governo monárquico. A 9 de novembro a revolução chega a Berlim. A polícia abandona seus postos e os quartéis são abertos às massas, os soldados se mostram neutros ou se unem ao movimento. O chanceler Max de Balde renuncia e Ebert, social-democrata, é nomeado chanceler do reich. Se nomeia um Conselho de Comissários do Povo integrado por seis membros: três do SPD e outros três social-democratas independentes. Os espartaquistas editam esse dia o primeiro número do periódico Die Rote Fahne (Bandeira Vermelha).

No dia 10, Ebert é nomeado chefe do Conselho de Comissários do Povoe e se coloca imediatamente em contato com o Estado Maior para preparar a luta contra o que denominava o “bolchevismo”. Dia 12, o Conselho de Comissários do Povo lança um conjunto de leis que, entre outras coisas, promete a implantação da jornada de trabalho de 8 horas a partir de 1º de janeiro de 1919. No dia 22 os Conselhos de Soldados de Hamburgo decide apoiar o novo governo. Lhes seguem outros conselhos. De 16 a 21 de dezembro se reúne o Primeiro Congresso dos Conselhos de Operários e Soldados da Alemanha.

O programa que os espartaquistas defenderam se baseava em reclamar todo poder aos Conselhos de Operários e Soldados, a dissolução do Conselho de Comissários do Povo presidido por Ebert, o desarme da contra-revolução e dotar de armamento ao proletariado, formando ademais a Guarda Vermelha, e um chamamento internacional aos proletários de todo o mundo para a formação de Conselhos de Operários e Soldados para levar a cabo a revolução socialista mundial. Porém o Congresso adotou o programa social-democrata sem discutir os pontos que reivindicavam os espartaquistas. O programa aprovado se baseava em dar todo o poder ao Conselho de Comissários até que a Assembléia Constituinte estivesse formada, reservando ao Conselho Central dos Conselhos de Operários e Soldados um papel de “supervisão parlamentar”.
Decide-se adiantar as eleições para a Assembléia Constituinte para 19 de janeiro. Enquanto isso, a burguesia tratava de reorganizar suas forças armadas e contra-ataca em várias cidades, formando “Corpos de Segurança”.

Era, sou e serei

A traição da social-democracia se evidenciava plenamente. Então, das mesmas filas espartquistas surge o Partido Comunista Alemão (KPD), o qual se institui num Congresso celebrado entre 30 de dezembro de 1918 e 1º de janeiro de 1919: nascia o primeiro partido comunista em um país economicamente desenvolvido. Rosa foi quem redigiu o programa da nova organização revolucionária que se aprovou no Congresso fundacional.

Em 1º de janeiro é desarmado um dos regimentos revolucionários mais importantes em Bremen. No dia 4 é destituído o chefe de polícia, Eichhorn, membro da ala esquerda os social-democratas independentes. Se sucedem as manifestações contra essa destituição. Dia 5 se forma uma comissão entre os social-democratas independentes e o Partido Comunista para seguir lutando contra a destituição de Eichhorn, com um chamado à greve geral e uma grande manifestação dia 6, às 11 da manhã. Os revolucionários vão ocupando todos os diários.

São outorgados plenos poder a Noske para frear ao movimento. Ele contesta: “Bem. Um de nós deve ser o cão policial. Não temo essa responsabilidade.” . O próprio Noske escreveu mais tarde: “Se as massas houvessem tido chefes decididos, com objetivos claros e precisos, em lugar de pronunciar belos discursos, ao meio-dia daquela jornada seriam completamente donas de Berlim”.

Se realizam greves de solidariedade com os revolucionários berlineses em diversas cidades. Há enfrentamentos nas ruas de Berlim e Spandau. No dia 11, os repórteres locais do diário social-democrata Vorwärts, ocupados pelos revolucionários, são atacados pelas tropas. Noske faz uma demonstração de força desfilando pelas ruas de Berlim. Em 15 de janeiro, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht foram assassinados por soldados que cumpriam ordens do ministro social-democrata Noske. No dia 25 ocorre enterro de Liebknecht e dos demais combatentes revolucionários assassinados. Porém o cadáver de Rosa ainda não havia aparecido.

No dia 16 fora proibido o diário espartaquista “Bandeira Vermelha”. A partir da celebração das eleições à Assembléia Constituinte, a 19 de janeiro o governo se consolida, enquanto é retirado o poder dos conselhos. De 20 a 23 de janeiro se produzem greves de protesto contra o assassinato de Rosa e Liebknecht. No dia 23, o governo declara o estado de sítio em Hamburgo. Em 23 de março é declarada a greve geral em Berlim, reclamando o reconhecimento dos Conselhos de Operários e Soldados, a liberdade e a ilegitimidade de todos os presos políticos, a formação de uma Guarda Operária Revolucionária e a dissolução das forças repressivas, além do estabelecimento de relações econômicas e políticas com a Rússia revolucionária. O governo declara o estado de sítio, que continuaria até 5 de dezembro. Se dão choques armados em Berlim até o dia 6, em que as tropas de Noske ocupam a prefeitura. Fracassa a greve geral e se retoma o trabalho em toda a Alemanha central a partir do dia 8. No dia 10 Leo Jogishes é preso e a polícia anuncia que havia morrido ao tentar fugir. Novos combates se produzem entre 15 e 18 de abril, dia em que as tropas causam mil e duzentos mortos ao disparar contra as manifestações de marinheiros e trabalhadores. A 31 de março se encontra o cadáver de Rosa Luxemburgo.

O Partido Comunista e todas suas publicações são proibidas. Ao longo de 1919 se sucedem as lutas e as greves cada vez mais enfrentadas a um ambiente de maior repressão e perseguição por parte do governo e as tropas de Noske. A 7 de abril se proclama a República dos Conselhos da Baviera, que dura até 4 de maio, quando as tropas de Noske penetram em Munich e desencadeiam feroz repressão. São fuziladas dezenas de dirigentes e militantes revolucionários. A repressão se prolonga até junho. As lutas acabaram com o fim da greve dos metalúrgicos de Berlim em 11 de novembro.

A 5 de dezembro se levanta o estado de sítio em Berlim. A revolução foi derrotada, porém não morreu: o primeiro estado operário da História, a União Soviética, não pode contar com o vital auxílio do proletariado alemão, um dos mais fortes da Europa. Não contou nem com sua capacidade tecnológica nem com sua cultura.

Os dirigentes mais reconhecidos desta revolução Alemã foram Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht. Junto a eles caíram nas ruas milhares de operários revolucionários; outros inauguraram os primeiros campos de concentração. Dizem que entretanto se repete uma pichação nos muros dos bairros operários alemães, que é muito habitual: "Trotzalledem!" (Adiante, apesar de tudo!), a frase que pronunciou Liebknecht ao inteirar-se das ameaças de morte que pendiam sobre eles. Não morreram em vão. As lições da revolução alemã e seus protagonistas contribuíram para a emancipação do proletariado mundial. Porém há quem tomamos a grandeza na luta por uma sociedade sem exploração nem opressão. Em nossos ouvidos ainda ressoam as palavras finais do artigo “A Ordem Reina em Berlim!”, escrito por essa pequena mulher que foi uma revolucionária gigante, Rosa Luxemburgo, na véspera de seu assassinato: “A ordem reina em Berlim! estúpidos carrascos mercenários! Não reparastes em que a vossa ‘ordem’ está a alçar-se sobre a areia. A revolução alçará-se amanhã com a sua vitória e o terror pintará-se nos vossos rostos ao ouvir-lhe anunciar com todas as suas trombetas: FUI, SOU E SEREI!”

Rosa Luxemburgo: Conselhos e partidos na revolução alemã de 1918

Por Cecilia Feijoo, do Instituto do Pensamento
Socialista Karl Marx (Argentina)*

“O mundo jamais conheceu quaisquer Judas semelhantes,
pois não se conformaram em vender uma causa sagrada,
mas cravaram a cruz com suas próprias mãos”.
Karl Liebknecht (14-15 de janeiro de 1919)

De pequena estatura e formação corporal frágil, mulher em uma época na qual a política continuava dominada pelos homens, nascida em uma terra de tragédias, em uma Polônia conspurcada, sua força parece não retroceder ante nenhum dos desafios colocados por sua época. Dirigente revolucionária de grande envergadura, a necessária para atravessar as significativas mudanças que traria o princípio do novo século XX, ela, todavia, não se alçará sozinha. Será parte de uma geração que, nascida em finais do século XIX, atravessou e enfrentou as grandes catástrofes de sua época, como a guerra imperialista, e as grandes esperanças: os primeiros passos da revolução socialista.

Analisar as reflexões de sua obra política sob o olhar implacável da crítica não é um método diferente do que a própria Rosa Luxemburgo teria escolhido para seu legado.

Organizados e não-organizados

Rosa Luxemburgo possuía um amplo conhecimento sobre as revoluções burguesas clássicas, a Inglesa do século XVII e a Francesa do século XVIII, conhecimento do qual havia extraído uma série de conclusões que utilizaria na hora de analisar e atuar sobre a dinâmica de classes na revolução proletária. Esse conhecimento profundo das revoluções burguesas havia lhe permitido, em contraposição às posturas adotadas pelos mencheviques na Rússia, sustentar que a revolução russa de 1905 não era uma revolução burguesa, e, pelo contrário, seu caráter era proletário. Posição esta que a aproximava àquela sustentada quase unicamente por Parvus e Trotski nesse momento.

Revendo o peso dirigente que naquele processo revolucionário adquiriam o proletariado e sua direção política, assim como a maturidade das relações sociais capitalistas do ponto de vista da totalidade do sistema social no qual a Rússia estava inserida, Rosa Luxemburgo tirava a conclusão do caráter proletário do processo desencadeado logo após a derrota do czarismo na Guerra russo-japonesa.

Levando em conta esta diferença entre um e outro tipo de revolução social, Rosa Luxemburgo extraía uma série de características comuns na dinâmica de ambas. Estas características compartilhadas estavam focada, por um lado, no fato de que uma vez desencadeada a revolução, as massas constituiriam por si próprias, em seus avanços, retrocessos, ziguezagues e novas voltas à ação direta, um caminho para impor os objetivos que a revolução social traça: a modificação das condições sociais de existência, a transferência da dominação de uma classe à nova classe em ascensão. Lukács indicava sobre Luxemburgo que: “sua tendência a superestimar o elemento orgânico da evolução se manifestava simplesmente na convicção dogmática de que se produz ‘na medida da necessidade social real, o meio de satisfazê-la, na medida do problema, sua solução’” . Rosa Luxemburgo e a geração de revolucionários a qual pertenceu, entre os quais estavam Karl Liebknecht, Leo Jogiches, Lênin, entre outros, enfrentarão os problemas e profundas modificações que estavam acontecendo tanto na base da dominação capitalista, como em suas alturas.

Na Alemanha, enquanto setores cada vez mais amplos dos trabalhadores e das massas eram organizados pela Social-Democracia nos sindicatos e organizações sociais, gozando dos benefícios da estabilidade institucional do país, recebendo benefícios sociais, avançando em sua educação cultural, na Rússia um proletariado mais atrasado culturalmente, com menor grau de “organização”, assistia à escola da luta espontânea e a luta revolucionária de 1905.

Estas desigualdades nas condições do movimento operário de ambos os países geravam uma falsa oposição entre organizados e não-organizados, por um lado, e massas avançadas e setores atrasados, por outro. Rosa Luxemburgo insistia sobre a forma contemplativa pela qual a Social-Democracia apreciava sua construção. Chamava atenção para o fato de que, inclusive na Alemanha, onde o SPD organizava um milhão de afiliados e quase dois milhões nos sindicatos, a imensa maioria dos setores da classe operária, especialmente as mais atrasadas social e culturalmente, não faziam parte destas organizações. Era consciente, por outro lado, de que estas organizações se adaptavam à consciência média dos setores mais acomodados dos trabalhadores (a chamada “aristocracia operária”), reproduzindo um espírito corporativo e de casta que era estranho ao marxismo.

Rosa Luxemburgo insistia na necessidade de que a Social-Democracia reivindicasse e educasse os setores não-organizados mediante a ação propagandística e a ação direta. E apontava que seria uma ilusão acreditar que a classe operária evoluiria de forma homogênea: “Assim como os distintos países refletem os mais variados níveis de desenvolvimento, dentro de cada país se revelam as distintas camadas da mesma classe operária. Mas a história não espera que os países mais avançados e as camadas mais avançadas se fundam para que toda a massa avance simetricamente como uma só coluna. Basta que os setores melhor preparados apenas despertem, as condições alcançam a maturidade necessária, e rapidamente, na tempestade revolucionária, se recupera terreno, se nivelam as desigualdades e todo o ritmo do progresso social muda subitamente e avança velozmente” .

As desigualdades sociais e políticas dos trabalhadores e das massas oprimidas, assim como a sobreposição de distintos setores e distintas experiências, não são um problema alheio à nossa época, na qual, apesar de seu retrocesso, os sindicatos, os movimentos sociais e os partidos configuram o cenário no qual se desenvolve a luta de classes. O acento colocado na espontaneidade da ação das massas estava posto, na estratégia de Rosa Luxemburgo, na relação direta com a necessidade de incorporar à luta política os setores não-organizados. Apenas admitindo o limite que representavam as organizações como os sindicatos frente ao “interesse do conjunto da classe operária”, é que se poderia formular a estratégia do marxismo.

Um elemento novo aparece então claramente no século XXA, como parte do fenômeno do imperialismo, gravando suas marcas no corpo da classe operária. Este fenômeno será denominado politicamente como “oportunismo”: a corrupção das camadas superiores do proletariado, combinada com a influência ideológica crescente da pequena-burguesia acomodada sobre os partidos do proletariado. Este é o grande obstáculo que Lênin e Rosa Luxemburgo enfrentaram. Rosa Luxemburgo desnudou o fenômeno sociológico como arma explicativa do conservadorismo organizativo e políticos do SPD alemão. Soube ver antes que todos, no “fatalismo” da socialdemocracia, o crescente conservadorismo e a corrupção ideológica dos líderes, o peso dos setores acomodados da classe operária na direção dos militantes sindicais do partido e a adaptação ao jogo parlamentarista da Monarquia constitucional alemã. Em sua formulação estratégica, este elemento a fez inclinar-se ainda mais a apostar na ação espontânea das massas unida à luta teórica marxista . Lênin procurou resolver este mesmo problema na esfera da política, colocando a necessidade de separar organizativamente revolucionários de oportunistas, algo que Rosa não concordava, mas que retrospectivamente se mostrou correto .

Os paradoxos da organização revolucionária

As posições que Rosa Luxemburgo foi adotando em torno ao problema do partido não foram estáticas. Antes da revolução de 1905 na Rússia, percebe-se nela uma supervalorização da ação espontânea das massas sobre a ação do partido, e uma identificação entre classe e organização política: “a socialdemocracia não está unida ao proletariado. É o proletariado” . Em Greve de massas, partido e sindicatos afirmou que o partido agrupa uma fração do proletariado e sua intervenção deve atuar como acelerador da luta de classes: “Os socialdemocratas constituem a vanguarda mais esclarecida e consciente do proletariado. Não podem nem ao menos se atrever a esperar de modo fatalista, com os braços cruzados, o advento da “situação revolucionária”, aquela que, em toda mobilização popular espontânea, cai das nuvens. Pelo contrário, agora, como sempre, devem acelerar o desenvolvimento dos acontecimentos. Isto não pode ser feito levantando a ‘consigna’ de greve de massas ao revés e em qualquer momento, mas, antes de tudo, propagando ante às camadas mais amplas do proletariado o advento inevitável do período revolucionários, os fatores sociais internos que o provocam e as conseqüências políticas do mesmo” .

Somente após a traição do SPD frente à guerra imperialista Rosa Luxemburgo postulou que o partido constitui um elemento decisivo, ao constatar que o peso que a atitude do partido tinha para a tranqüilidade da classe dominante em seus objetivos belicosos. Mas, como devia conformar-se esse “elemento decisivo”?. Concretamente, a organização revolucionária que Rosa Luxemburgo integrava havia se reduzido a uma liga de propaganda que tentou influir primeiro sobre o SPD, depois sobre a base das duas grandes frações nas quais havia se dividido o partido –os Majoritários (SPD) e os Independentes (USPD) – e, finalmente, em dezembro de 1918, fundou o Partido Comunista Espartaquista . A guerra demonstrou, junto com a Revolução Russa, que já não se poderia regressar aos grandes partidos operários com tendências internas ou alas. A restrita “liberdade” da qual gozava a ala esquerda no SPD pôde se sustentar até a guerra, mas com o advento da mesma e, logo após, com o início da revolução alemã, as antigas frações do partido estarão em campos distinto na guerra civil.

O embate de Luxemburgo com Lênin girou em torno de seu rechaço à idéia de um partido de militantes profissionais, fortemente disciplinados, delimitado ideologicamente, com capacidade de ação e direção clara na intervenção na luta de classes. Sua própria concepção de partido oscilou ao calor do debate em ambos os lados do continente. Identificada com a ala esquerda do SPD, só atingiu notoriedade pública por fora dos círculos intelectuais e dirigentes do partido quando se desencadeou na Alemanha um processo de ascensão grevista que chegou a abarcar um milhão e meio de trabalhadores. Estas greves, que se desenvolveram em 1910, concederam à Rosa Luxemburgo a possibilidade de tornar suas posições conhecidas na base militante do partido. Foi sua época de grande oradora em atos. As posições da ala esquerda, em contexto de grandes greves e manifestações de massas que reivindicavam o sufrágio universal, constituíam um perigo para o SPD, que não estava disposto a defender a greve política. Isso, em parte, foi o que levou à ruptura entre Rosa Luxemburgo e Karl Kautsky, que anteriormente haviam estabelecido uma relação próxima. A partir desse momento, os setores de esquerda foram marginalizados, mediante mecanismos burocráticos, de suas posições na organização, incluindo Rosa Luxemburgo .

Em seus primeiros escritos, Luxemburgo tendia a postular que o partido era um instrumento auxiliar da revolução social. Esta posição estava contraposta à idéia leninista de um partido centralizado e disciplinado. Segundo Luxemburgo, um partido como o que propunha Lênina só poderia favorecer o isolamento da Social-Democracia Russa frente às massas operárias, o que o transformaria com o tempo um obstáculo para a própria ação revolucionário dos trabalhadores. Em suas palavras: “O ágil acrobata não percebe que o único “sujeito” que merece o papel de dirigente é o “ego” coletivo da classe operária. A classe operária exige o direito de cometer seus erros e aprender na dialética da história (...) Falemos claramente. Historicamente, os erros cometidos por um movimento verdadeiramente revolucionário são infinitamente mais frutíferos que a infalibilidade do Comitê Central mais astuto” .
.
O dilema que coloca seu texto Problemas organizativos da socialdemocracia conserva, sem embargo, toda sua atualidade ao identificar as pressões às quais estão submetidos os núcleos revolucionários, sem por isso dar uma solução acertada ao problema:”se desprende que a melhor maneira pela qual pode avançar o movimento é oscilando entre os dois perigos que o cercam constantemente. Um é a perda de seu caráter massivo; o outro é o abandono de seu objetivo. Um é o perigo de retroceder ao estado de seita; o outro, o perigo de converter-se em um movimento para a reforma social burguesa”. Este dilema atravessará todo o período de preparação política frente à catástrofe da guerra, atuando no desenvolvimento ou na traição do ascenso revolucionário de 1918, e atuando, logo depois, durante todo o período posterior, quando o stalinismo se desenvolvia na URSS e se transformava em um novo obstáculo frente à revolução socialista.

Como resolvê-lo ou que soluções se colocaram ao mesmo foi um dos debates mais ricos do marxismo clássico. Não era um problema que Marx havia podido prever em seu tempo. A Comuna de Paris de 1871, que não contou com uma direção nem clara, nem centralizada, teve à sua frente um conglomerado de tendências que iam de revolucionárias a reformistas. De todo modo, essas correntes foram arrastadas pela “ação espontânea” das massas à correnteza revolucionária, pondo em pé a primeira experiência de poder dos trabalhadores: a Comuna. Outras seriam as conclusões das experiências revolucionárias do século XX

Conselhos e partidos na revolução alemã de 1918

Houve um ponto substancial no qual Rosa Luxemburgo não modificou sua postura, ao contrário, por exemplo, de Trotski, que o fez: as características do partido revolucionário. Apena o importante trabalho de Pierre Broué sobre a revolução Alemã dá conta do peso que teve a ausência de um partido de tipo leninista no fato de que a democracia dos conselhos operários não pudesse triunfar nas primeiras jornadas revolucionárias. Broué afirmou que sob a influência do levante de janeiro de 1919, em seus últimos dias, “Rosa Luxemburgo parece aproximar-se da concepção de partido revolucionário que até então sempre havia combatido” . Este elemento significa que, para além da experiência russa, as características do partido de Lênin não respondem apenas a particularidades russas, mas, pelo contrário, muitas dela são também vitais para a estratégia marxista no ocidente avançado.

A experiência bolchevique deixava o ensinamento sobre a necessidade de preparar no período prévio ao ascenso revolucionário um núcleo militante suficientemente flexível para realizar alianças e rupturas, mas por sua vez inflexível ideologicamente, características necessárias para fazer avançar a experiência política das massas na medida em que possibilita seu triunfo revolucionário . Apesar de passar momentos nos quais o partido crescia e se nutria de militantes, como durante a revolução de 1905, e períodos de retrocesso e isolamento nos quais o núcleo revolucionário se contraía, o bolchevismo pôde atuar da maneira correta frente ao processo da revolução russa de 1917, ganhando o apoio das massas operárias para sua posição. Será contrária a posição de Rosa Luxemburgo, que tendia à unidade organizativa com as demais frações políticas do SPD em função de garantir a “massificação” do partido do proletariado, uma vez que sustentava com firmeza a delimitação ideológica como forma de impedir a conversão do partido “em um movimento para a reforma social burguesa”. A ausência de delimitação organizativa, e decorrente disso, a ausência de uma geração de operários e militantes forjados e disciplinados nesta escola, é o que, em parte, explica os problemas que atravessou a revolução alemã.

É fundamental, a esta altura, levar em conta mais dois elementos: o primeiro deles, o peso que o partido reformista dos trabalhadores e as direções dos sindicatos possuíam frente à ação das massas. Em segundo lugar, como atua o enraizamento da tradição do parlamentarismo e a democracia burguesa em setores amplos da classe trabalhadora.

O resultado das manifestações de 7 e 8 de novembro de 1918 é emblemático nesse sentido. Dois exércitos a ponto de se enfrentarem encontram-se cara a cara nas ruas de Berlim. De um lado, as massas operárias, seus dirigentes radicais, os delegados de fábrica, a esquerda espartaquista e os Independentes. Na sua frente encontram-se os generais de Max de Baden, dispostos a uma defesa incondicional do regime dos junkers e da burguesia. As tropas destes últimos estavam hesitantes. A decomposição do exército frente à derrota alemã na guerra, a propaganda bolchevique no front ocidental e a negativa de alguns batalhões de disparara contra seus “companheiros” começam a criar dúvidas sobre a atitude e a disciplina da tropa. Os Majoritários realizam gestões desesperadas, comunicam-se com o Alto Comando Alemão e com os ministros do Kaiser. Os Majoritários argumentam: é fundamental que não haja enfrentamentos armados, é a única maneira de manter sua influência sobre as massas e impedir o amadurecimento do setor “extremista”.

Os generais a ponto de iniciar a repressão contra a mobilização recebem um chamado com uma ordem “estranha”: iniciar a retirada e, muito importante, evitar qualquer tipo de enfrentamento armado. Os generais se retiram desconcertados. É o primeiro ato da revolução. O 9 de fevereiro foi o início de uma revolução na qual o aparato militar do antigo regime ficou intacto. É o primeiro triunfo dos Majoritários para manter a ordem e evitar uma “revolução Bolchevique”. O Kaiser, por intermédio de uma ordem emitida pelo chanceler Max de Baden, admite e tem acordo em formar um governo encabeçado pelos Social-democratas e liberais. Duas semanas depois, diante da continuidade das greves operárias, a associação patronal alemã outorga aos sindicatos toda uma série de demandas econômicas: jornadas de 8 horas, aumento salarial, direitos de controle dos sindicatos sobre aspectos da produção, entre outras .

Os majoritários se apressaram a formar um governo paralelo. Ainda que eles não sejam representantes do governo legal, chamam aos Independentes a formar um Conselho de Comissários do Povo. Colocam-se à frente da onda conselhista. A revolução alemã dá a sensação de uma interminável quantidade de medidas e ações espontâneas das massas e dos grupos radicas e, por outro lado, um conservadorismo extremo em sua representação conselhista.

O caráter e os debates da primeira e única reunião do Congresso geral dos conselhos realizada no circo Busch, em dezembro de 1918 , demonstram este elemento. Os espartaquistas estão em pleno processo de ruptura com os Independentes e de fundação do Partido Comunista (E). Sua debilidade dentro da instituição revolucionária não poderia ser maior: contam com apenas 10 representantes sobre um total de 489 delegados partidários. Sua figura mais conhecida, Liebknecht, não tem representação e se vê obrigado a atuar de forma extra-parlamentar, situação contrária a dos bolcheviques no primeiro Congresso dos Sovietes, onde haviam sido uma minoria, mas significativa, e Lênin se encontrava dentro da sala.

Os espartaquistas utilizaram a mobilização extra-parlamentar das massas para influir sobre o Congresso, mas não obteriam os resultados buscados: “bruscamente as portas da sala se abrem, frente à poltrona presidencial. Uma delegação de operários faz sua entrada e reclama, ‘em nome de 250 mil revolucionários berlinenses’ a supressão do governo Ebert, a proclamação de uma ditadura dos conselhos, o armamento do proletariado, a formação de uma guarda vermelha, o chamado à revolução mundial Ao mesmo tempo, circula o rumor de que Liebknecht mantém um discurso sedicioso frente à câmara dos deputados” . Há uma segunda mobilização que interrompe o curso normal da sessão, desta vez com Liebknecht à frente. Sobre esse momento, diz Rosa Luxemburgo: “em nossa opinião, em nada censuramos a emoção e a paixão sem freio das massas, nem sequer quando na primeira sessão dos Conselhos de operários e soldados, no Circo Busch, esta emoção se voltava inteiramente contra a nossa. Quando os soldados apontavam com seus fuzis ao camarada Liebknecht, nós combatíamos aqueles que com uma sórdida demagogia orientavam para um falso caminho a vontade das massas de tomar o céu por assalto; nos esforçávamos e nos esforçamos para dar às massas uma clara consciência da situação e seus objetivos .

O primeiro erro de Rosa Luxemburgo é atribuir o peso que o SPD e o USPD têm na sessão do Congresso dos Conselhos à espontaneidade e o entusiasmo das massas. Ainda que os delegados do congresso tivessem sido votados nas primeiras semanas de novembro, e a experiência das massas frente ao governo social-democrata de Ebert havia avançado, a representação dos reformistas tinha a ver com seu peso e sua ação política. A situação havia levado aos Majoritários (SPD) a se colocaram à frente do processo conselhista para limitá-lo e liquidá-lo.

Por não existir um forte peso e uma política clara e homogênea nas fileiras da ala revolucionária, o desfecho dos acontecimentos se torna extremamente acelerado. Este elemento vai ser chave para entender o calendário revolucionário alemão. A ação antecipada dos setores avançados dos trabalhadores, (o “julho” da revolução russa) se dão a apenas dois meses do início da revolução.

É a debilidade dos revolucionários o que impede ao PC (E) realizar as grandes manobras de classe que haviam realizado os bolcheviques na Rússia. Para Lênin, estes giros políticos bruscos puderam ser realizados porque o Partido Bolchevique pôde aprender, ao largo de 15 anos, as distintas formas de luta, legal e ilegal, soube aproveitar os momentos de auge revolucionário, mas também se educar nos momentos em que havia que retroceder na ordem, recuar, voltar ao trabalho ilegal, “adotar métodos ‘incômodos’ para designar, formar ou conservar ‘grupos dirigentes’” . Assim, os bolcheviques puderam passar da agitação e atuação mediante a exigência aos mencheviques e Socialistas –Revolucionários de que os conselhos tomasse o poder em suas mãos, a se colocar à frente da ação antecipada e semi-insurrecional de julho para conter e conservar a vanguarda o mais intacta o possível; passar rapidamente à clandestinidade frente à reação e, quando a onda revolucionário voltou a brotar, chamar as massas a renovas os mandatos nos conselhos e preparar a tomada do poder, possibilitando a ação revolucionária dos sovietes.

Por el contrario, los Mayoritarios no cedieron sino que colaboraron y actuaron de manera contrarrevolucionaria frente a las tendencias revolucionarias de las masas, y fundamentalmente frente a su dirección. Ellos descabezaron, con sus propias manos, al proletariado, concertando el asesinato de Rosa y Karl.

As últimas reflexões de Rosa Luxemburgo dão contorno a um elemento fundamental para analisar o processo revolucionário em países avançados ou em países com forte enraizamento da democracia burguesa. Rosa avaliava que a política da Social-Democracia, assim como a dos Independentes, fortalecia a ação da contra-revolução, o terror branco. Esta avaliação a levou, em seus últimos momentos, a descartar a possibilidade de “compromissos” ou de exigências para desmascarar a ação dos reacionários. Uma primeira crítica a esta posição é realizada por Paul Frölich. Segundo ele, os Independentes cumpriram o papel dos mencheviques na revolução russa, os quais haviam capitulado à reação, mas não haviam sido eles os que prepararam as ações contra-revolucionárias diretamente, ao menos não até depois da tomada do poder pelos bolcheviques . Ao contrário, os Majoritários não cederam, mas colaboraram e atuaram de maneira contra-revolucionária frente às tendências revolucionárias das massas e, fundamentalmente, frente à sua direção. Eles decapitaram com suas próprias mãos o proletariado, cometendo o assassinato de Rosa e Karl.

Esse último aspecto é significativo. A contra-revolução não apresenta o rosto do antigo regime, mas o do próprio reformismo que atua, na hora decisiva, de forma contra-revolucionária frente à vanguarda. Frente as massas, atuou de maneira reacionária, primeiro desviando seu impulso e aprisionando-o na Assembléia Constituinte, e, logo depois, mediante à formação da república de Weimar, sem conseguir deter o enfrentamento das classes antagônicas, que terminará, anos mais tarde, na ascensão do nazismo. Os revolucionários alemães não contavam com uma organização revolucionária à altura da tarefa histórica, apesar de possuir dirigente do nível de Luxemburgo ou Liebknecht. Por outro lado, a reação era muito mais forte porque contava com um enorme aliado, o SPD reformista, integrado e adaptado aos benefícios do regime da democracia burguesa.

Reflexões à sombra do stalinismo

Soviet ou conselhos operários, Assembléia Constituinte e partido revolucionário serão três dos conceitos sobre os quais se voltará diversas vezes na tentativa de decifrar os complexos fenômenos que o século XX atravessou, assim como a atualidade da tradição revolucionária do marxismo. Serão vários os autores que voltam, retrospectivamente, o olhar a Rosa Luxemburgo para explicar um fenômeno que ela não viu, nem pôde antecipar: o stalinismo.

Aqueles que destacam uma particular concepção de democracia socialista e o conselhismo de Rosa Luxemburgo indicam que é a sua concepção de partido revolucionário o que haveria permitido garantir o exercício efetivo da democracia dos conselhos operários sob um regime socialista.

Esta postura é desenvolvida por Toni Negri, para quem o “compromisso leninista” entre o partido e o soviet só poderia terminar no eclipse do segundo pelo primeiro. Negri se pergunta: “Por que o compromisso se converte em curto-circuito? Por que, em pouco tempo, a síntese se mostra impossível, fazendo herdar, junto a um extraordinário deslocamento teórico do problema, uma nova crise histórica?” Esta é a questão legada por Rosa Luxemburgo segundo Negri. Ela “não possui dúvidas sobre a compatibilidade da ditadura do proletariado e o sufrágio universal” Ademais, “segundo Rosa Luxemburgo não existem condições objetivas que possam bloquear a realização do princípio constituinte (...) O curto-circuito do compromisso leninista aparece aqui ao lado das condições subjetivas do processo: insiste Rosa Luxemburgo que a participação democrática não está sincronicamente presente com os outros elementos” . Desta maneira, identifica nas “condições subjetivas” (a política de Lênin) a causa da incompatibilidade a longo prazo entre o partido revolucionário e o conselho operário. Sua postura despreza as “condições objetivas”: o isolamento russo gerado pela traição da revolução alemã, a ofensiva dos exércitos imperialistas e dos Brancos sobre o nascente Estado, a passagem de oposição para o combate aos sovietes pelos SR de Esquerda e os mencheviques, a necessidade do proletariado em fazer concessões aos camponeses acomodados sob a NEP, entre outras.

Daniel Bensaïd fará uma leitura diferente. “As advertências de Rosa ganham então, retrospectivamente, todo o seu sentido. Temia em 1918 que as medidas de exceção, temporariamente justificadas, se transformassem em regra, em nome de uma concepção puramente instrumental do Estado enquanto aparato de dominação de uma classe sobre outra” . Para Bensaid, Luxemburgo representa uma crítica acertada e uma alternativa frente à concepção de “estado de exceção” bolchevique. A partir dessa conclusão, para o autor, se desprende a necessidade de voltar à consigna de “conselho eleito e revogabilidade dos cargos”, isso é, volta a colocar que o governo socialista apenas pode ancorar-se em algum tipo de representação jurídica apoiado no sufrágio universal e não nos conselhos operários.

A opinião de Rosa Luxemburgo sobre a dissolução da Assembléia Constituinte pelos bolcheviques foi superada em parte pela modificação de sua posição sob os golpes da experiência revolucionária alemã . Esta opinião, que Luxemburgo sustentou nesse momento, estava baseada em uma consideração “sociológica” e em uma consideração “política”. Do ponto de vista sociológico, opinava que o Soviet era um “anacronismo, uma antecipação de uma situação jurídica conveniente sobre uma base econômica socialista já realizada, e não para o período de transição da ditadura do proletariado” . O retrocesso industrial e o peso que ainda tinha o campesinato na estrutura social pós-revolucionária impedia que o Soviet fosse a estrutura social na qual se apoiasse a ditadura revolucionária, razão pela qual esta só seria possível em uma sociedade na qual a imensa maioria de seus integrantes pertencessem ao proletariado.

Do ponto de vista político, apenas a existência do Soviet junto à Assembléia Constituinte poderia expressa de forma plena as desigualdades entre as classes oprimidas que subsistem no período de transição: “a espinha dorsal devem ser os sovietes, mas também a Constituinte e o sufrágio universal”

Trotsky vê nas distorções da representação política o próprio caráter de toda forma de representação política, inclusive na mais democrática: o Soviet. Mas o Soviet permite que as distorções sejam corrigidas com maior rapidez. O caráter do parlamento dos explorados e dos oprimidos e a flexibilidade da forma soviética permitem expressar as mudanças nos estados de ânimo das massas. Pelo contrário, Luxemburgo resgata o elemento democrático da Assembléia Constituinte frente ao Soviet apenas do ponto de vista jurídico, e para ela as modificações nos estados de ânimo das massas atuam sobre toda representação parlamentar: “toda experiência histórica nos mostra o contrário, que a opinião pública influencia constantemente as instituições representativas, as penetra, as dirige (...) Certamente, toda instituição democrática, como toda instituição humana, tem seus limite e suas debilidades. Mas o remédio encontrado por Lênin e Trotski –suprimir diretamente a democracia- é pior que o mal que se supõe curar: obstrui a fonte viva de onde poderiam brotar as correções às imperfeições congênitas das instituições sociais, a vida política ativa, enérgica, sem travas da grande maioria das massas populares” .

A confiança na mobilização corretiva das massas frente a esse parlamento de caráter semi-burguês (a dissoluta Assembléia Constituinte russa) no período revolucionário era de importância vital em sua leitura, questão que encobria a superioridade democrática do Soviet como forma representativa da ditadura do proletariado. Desde o início do desenvolvimento dos conselhos operários e de soldados alemães, Rosa Luxemburgo postulará que o poder deve estar nas mãos dos Conselhos de Operários e Soldados: “Camaradas, aqui a consigna é: ‘No princípio era a ação’, e a ação é que os Conselhos de operários e soldados sintam sua vocação e aprendam a transformar-se no único poder em toda a Alemanha. Não há outra forma de minar o terreno de tal forma que esteja maduro para a derrubada violenta que deve coroar nossa obra” . Já não tinha dúvida a respeito do caráter de classe da representação jurídica, nem da hegemonia sobre os setores pequeno-burgueses que o proletariado devia exercer a partir destes “parlamentos do proletariado”. Sua posição a este respeito perde toda sua ambivalência: a democracia socialista será conselhista.


Notas

[1] Lukács, Georg; “Observações críticas à critica da revolução russa de Rosa Luxemburgo” in: Historia y Conciencia de clase, Ed Grijalbo, México, 1969, p. 291.
[2] Luxemburgo, Rosa; “Greve de massas, partido e sindicatos”, Obras Escogidas, Tomo I, Ed. Pluma, Buenos. Aires, 1976, p. 244.
[3] “A teoria marxista é uma arma segura para reconhecer e combater as manifestações típicas do oportunismo. Mas o movimento socialista é um movimento de massas, seus perigos não são produto das maquinações insidiosas de indivíduos e grupos, surgem de situações sociais inevitáveis. Não podemos nos resguardar de antemão contra todas as possibilidades de desvios oportunistas. Apenas o movimento pode superar esses perigos, com a ajuda da teoria marxista, sim, mas somente depois que esses perigos se tornem tangíveis. Desse ponto de vista, o oportunismo aparece como um produto e uma fase inevitável do desenvolvimento histórico do movimento operário”. em: Luxemburgo, Rosa; “Problemas organizativos da socialdemocracia”, op. cit., p. 157.
[4] Ver a esse respeito: Albamonte, Emilio; Castillo, Christian; Lenin y el partido bolchevique, La Verdad Obrera, 2006.
[5] Ídem, p. 144.
[6] Luxemburgo, Rosa; “Greve de massas, partido e sindicato”, op. cit, p. 237.
[7] Logo após a votação dos créditos de guerra, surgirá a seguinte distinção ou realinhamento das tendências políticas dentro da socialdemocracia: a) a direção do partido estará nas mão da direita – aparato, parlamentares e sindicalistas – os quais, em janeiro de 1917, expulsam as outras tendências e permanecem com o nome de SPD ou Majoritários, já que agrupavam 170 mil militantes, c) Na medida em que a guerra avança e começa a se expressar o descontentamento na base operária e na frente, surge uma ampla de centro que buscará as vias legais e estatutárias para que se expresse a posição anti-belicista. Os representantes desse setor serão, entre outros, Lederbour, Däumin, Dittman e Hesse, núcleo do que logo será a direção do Partido Social-Democrata Independente (USPD), e contará com 120 mil militantes, b) A esquerda, a partir Liebknecht e de Rosa Luxemburgo, organizará uma série de personalidades partidárias, não sendo mais de 50, formarão primeiro a Liga Spartacus dentro do USPD e serão parte do núcleo fundador, em 1918, do Partido Comunista (Espartaquista), d) Os delegados revolucionários de Richard Müller, setor compacto e organizados, estruturado clandestinamente nas principais fábricas de Berlim; Liebknecht entrará em contato com esse setor para que ingressem ao PC(E), mas sem obter sucesso, e) a esquerda de Bremen – onde militam, entre outros, Paul Frölich e Wilheim Pieck.
[8] Expulsa da Escola do partido Rosa, levou adiante seu curso sobre Economia Política e preparou as armas teóricas para seu próximo combate.
[9] Luxemburgo, Rosa; “Problemas organizativos da socialdemocracia”, op. cit., p. 157.
[10] Broué, Pierre; Revolución en Alemania, Tomo I: De la guerra a la Revolución. Victoria y derrota del ‘izquierdismo’, Ed. A. Redondo, Barcelona, 1973, p. 294.
[11] Lênin levará adiante uma enumeração destas lições sobre a organização partidária em O “esquerdismo”, doença infantil do comunismo. Ver também Albamonte, Emilio, Castillo, Christian, Lenin y el partido bolchevique.
[12] Ver E. O. Volkman, La revolution allemande, 9 novembre 1918- 17 mars 1920, ed. Plon, France, 1933.
[13] Ídem, p. 23.
[14] Rosa Luxemburg, Les Masses sont-elles “mures”, Die Rote Fahne, 3 décembre 1918, “Supplément à "La Vérité", 1 février 1959”.
[15] Lenin; El “izquierdismo” enfermedad infantil del comunismo, Ed. Anteo, Bs. As., 1973, p. 33.
[16] Ver Frölich, Paul; Rosa Luxemburgo. Vida y obra, Ed. Fundamentos, Madrid, 1976.
[17] p. 358
[18] Toni Negri, 362
[19] Bensaïd, Daniel; “Politiques de Marx. Des luttes de classes à la guerre civile en France” en Karl Marx, Friedrich Engels, Inventer l´inconnu. Textes et correspondance autour de la Commune, Ed La fabrique, Paris, 2008, p. 79. Também ver Daniel Bensaid, El Estado, la democracia y la revolución: una vez más sobre Lenin y 1917, Revista Viento Sur, 2007.
[20] Ver a este respeito: Loureiro, Isabel Maria. Rosa Luxemburgo. Os dilemas da ação revolucionária, Ed. UNESP, Sao Paulo, 2003.
[21] Luxemburg, Rosa; Crítica de la Revolución Rusa, Ed. Quadrata, Bs. As. 2003, p. 92.
[22] Idem, p. 93.
[23] Idem., p. 89.
[24] Ainda que baseado no voto universal, mediante o qual o campesinato rico, o pobre, o trabalhador ou o intelectual possuem o mesmo peso, a Assembléia Constituinte que propõe Rosa Luxemburgo se desenvolve sob o regime de transição, quer dizer, não inclui a burguesia nem os latifundiários, daí seu caráter semi-burguês. Apenas no terreno da representação política as classes oprimidas são tomadas pelo ponto de vista da igualdade formal.
[25] Rosa Luxemburg; Discours au Congrès de fondation du P. C. Allemand (Ligue Spartacus), 31 décembre 1918 – 1° janvier 1919, en http://www.marxists.org/.
*Artigo traduzido por Fernando Silvério.

A Ordem Reina em Berlim

Por Rosa Luxemburgo (14 de janeiro de 1919)*

A ordem reina em Varsóvia, anunciou o ministro Sebastini à Câmara francesa em 1831 quando, depois de ter lançado um terrível assalto sobre o bairro de Praga, a soldadesca de Paskievitch entrou na capital polaca para começar o seu trabalho de carrascos contra os insurgentes. A ordem reina em Berlim!, proclama triunfalmente a imprensa burguesa, proclamam Ebert e Noske [1], proclamam os oficiais das “tropas vitoriosas”, para quem a gentalha pequeno-burguesa de Berlim agita os lenços e emite os seus hurras. A glória e a honra das armas alemãs foram salvas perante a história mundial. Os lamentáveis vencidos de Flandres e Argonne podem agora restabelecer o seu nome mediante a brilhante vitória atingida sobre 300 “espartaquistas” que lhes resistiram no prédio do Vorwaerts. As façanhas do primeiro e glorioso avanço das tropas alemãs na Bélgica e as façanhas do general von Emmich, o vencedor de Liege, ficam pálidas quando comparadas às façanhas de Reinhardt e Cia. Os delegados dos sitiados no Vorwaerts, enviados como mediadores para tratarem da rendição, assassinados destroçados a pancadas de coronha pela soldadesca governamental, ao ponto que não era possível reconhecer os seus cadáveres. Prisioneiros pendurados dos muros e assassinados de tal forma que muitos deles tinham a massa encefálica espalhada. Quem pensa frente a estas gloriosas façanhas nas vergonhas derrotas diante dos franceses, dos ingleses e dos americanos? Espartacus [2] é o nome do inimigo e Berlim o lugar onde nossos oficiais entendem que vencerão. Noske, "o operário", é o general que sabe organizar a vitória ali onde Lundendorff fracassou.

Como não lembrar da bebedeira de vitória da matilha da “ordem”, aquela festança da burguesia sobre os corpos dos lutadores da Comuna? Era a mesma burguesia que acabava de capitular vergonhosamente aos prussianos e que tinha abandonado a capital do país ao inimigo externo para fugir ela mesma como o primeiro dos covardes! Mas frente aos proletários parisienses famintos e mal armados, contra suas mulheres e filhos indefesos, como voltava a florescer a coragem viril dos filhinhos da burguesia, a "juventude dourada" e os oficiais! Estes filhos de Marte humilhados até o dia anterior ante o inimigo exterior, souberam de repente ser cruéis e bestiais com indefesos, prisioneiros, derrotados.

"A ordem reina em Varsóvia!"”A ordem reina em Paris!” "A ordem reina em Berlim!” Eis como proclamam as suas vitórias os guardiões da "Ordem" cada cinqüenta anos nos centros da luta histórico-mundial. E estes eufóricos “vencedores” não percebem que uma “ordem” que deve ser mantida periodicamente com essas carnificinas sangrentas marcha, invariavelmente a seu próprio final.

O que foi esta “Semana de Espartacus” em Berlim, o que ela trouxe consigo, que lições ela nos deixa? Ainda no meio da luta e dos gritos vitoriosos da contra-revolução, os proletários revolucionários farão balanço dos acontecimentos e os seus resultados com a grande medida da história. A revolução não tem tempo a perder, a revolução continua avançando a suas grandes metas, mesmo que por cima das tumbas abertas, por cima “vitórias” e “derrotas”. A primeira tarefa dos combatentes pelo socialismo internacional é com lucidez seguir seus princípios, seus caminhos. Poderia ser esperada uma vitória definitiva do proletariado revolucionário no presente enfrentamento? Poderia ser esperada a queda dos Ebert-Scheidemann e a instauração da ditadura socialista? Certamente não, quando se leva em consideração todos os elementos chamados a decidir sobre a questão. A ferida aberta da causa revolucionária neste momento, a imaturidade política da massa de soldados que ainda se deixam manipular por seus oficiais com objetivos anti-populares e contra-revolucionários, é uma prova que no presente enfrentamento não era possível esperar uma vitória duradoura da revolução. Por outro lado, a imaturidade do elemento militar não é mais que um sintoma da imaturidade geral da revolução alemã.

O campo, que é de onde procede uma grande parte da massa de soldados, segue como se a revolução nem lhe houvesse tocado. Berlim continua, até agora, praticamente isolada do resto do país. É verdade que nas províncias os centros revolucionários – Renânia, a costa norte, Braunschweig, Saxônia e Wuerttemberg – estão com corpo e alma do lado do proletariado de Berlim. Mas o que falta mais que tudo é coordenação na marcha adiante, a ação comum direta que daria uma eficácia incomparavelmente maior a ofensiva e mobilização da classe operária berlinense. Além disso, as lutas econômicas, a verdadeira força vulcânica que impulsiona adiante a luta de classes revolucionária, ainda estão em seu estágio inicial – o que não deixa de ter profundas relações com as apontadas insuficiências políticas da revolução. Disso tudo pode deduzir-se que neste momento não era possível pensar em uma vitória duradoura e definitiva. Por isto significa que a luta da última semana foi um “erro”? Sim, se fosse meramente uma “ofensiva” intencional, o que se chama de “putsch”. No entanto qual foi o ponto de partido da última semana de luta? Tal como nos casos anteriores, como no dia 6 de dezembro e no dia 24 de dezembro: uma brutal provocação do governo! Como no caso do assassinato dos manifestantes desarmados da Chausseestrasse e igual à matança dos marinheiros, desta vez foi o assalto à sede da polícia a causa de todos os acontecimentos posteriores. A revolução não opera segundo a vontade, não marcha sobre um campo aberto, segundo um plano inteligentemente concebido por seus “estrategistas”. Os seus inimigos também têm a iniciativa, e em regra geral a empregam mais que a própria revolução.

Frente ao fato da descarada provocação dos Ebert-Scheidemann, a classe operária revolucionária se viu obrigada a recorrer às armas. Para a revolução era uma questão de honra dar imediatamente a mais enérgica resposta ao ataque, sobre a pena de encorajar a contra-revolução com seu novo passo adiante e de que as fileiras revolucionárias do proletariado e o crédito moral da revolução alemã na Internacional sofressem grandes perdas.

A imediata resistência colocada pelas massas berlinense foi tão espontânea e cheia de uma energia tão evidente que a vitória moral desde o primeiro momento esteve do lado da “rua”.
Mas existe uma lei interna da revolução que diz que nunca se deve parar, ficar na inatividade, na passividade depois de ter dado um primeiro passo adiante. A melhor defesa é o ataque. Esta regra elementar de toda luta rege todos os passos da revolução. Era evidente – e tê-lo compreendido, testemunha o saudável instinto, a força interior sempre disposta do proletariado berlinense – que não podia se contentar em fazer Eichhorn voltar a seu posto.

Espontaneamente foi lançada a ocupação de outros centros de poder da contra-revolução: a imprensa burguesa, as agências oficiosas de imprensa, o Worwaerts. Todas estas medidas surgiram entre as massas a partir do convencimento de que de sua parte a contra-revolução não se contentaria com a derrota sofrida, mas que buscaria uma prova geral de sua força.

Aqui também nos deparamos com uma das grandes leis históricas da revolução, contra a qual se chocam todas as habilidades e sabedorias dos pequenos "revolucionários" ao estilo dos do U.S.P., que em cada luta não se preocupam com nada além de uma coisa, pretextos para bater em retirada. Uma vez que o problema fundamental da revolução tinha sido colocado com toda clareza – e este problema nesta revolução é a derrubada do governo Ebert-Scheidemann, enquanto primeiro obstáculo para a vitória do socialismo – então, esse problema não deixa de se mostrar repetida vezes com toda a atualidade e fatalidade de uma lei natural; todo episódio isolado de luta faz este problema aparecer em todas suas dimensões, esteja a revolução pouco preparada para lhe dar resposta, ou esteja pouco madura a situação. “Abaixo Ebert-Scheidemann!” é a consigna que inevitavelmente aparece em cada crise revolucionária, uma vez que é a única fórmula que esgota todos os conflitos parciais, e que por sua lógica interna, queira-se ou não, empurra todo episódio de luta a suas mais extremas conseqüências.

O resultado desta contradição entre o caráter extremo das tarefas a realizar e a imaturidade das condições prévias para sua realização na fase inicial do desenvolvimento revolucionário, é que cada batalha termina, formalmente, em uma derrota. Mas a revolução é a única forma de "guerra" – e está é uma lei muito particular dela – na qual a vitória final só pode ser preparada através de uma série de “derrotas”. O quê é que nos mostra toda a história das revoluções modernas e do socialismo? A primeira centelha da luta de classes na Europa, o levantamento dos tecelãos de seda em Lion em 1831 terminou em duríssima derrota. O movimento cartista na Inglaterra também terminou em uma derrota. A insurreição do proletariado de Paris nos dias de junho de 1848 terminou em uma assoladora derrota. A Comuna de Paris se fechou com uma terrível derrota. Todo o caminho que conduz ao socialismo – se forem consideradas as lutas revolucionárias – está semeado de grandes derrotas.

E, mesmo assim, esse caminho conduz, passo a passo, inexoravelmente à vitória final! Onde estaríamos hoje sem estas "derrotas", das quais tiramos experiência histórica, conhecimento, força, idealismo! Hoje, quando chegamos tão extraordinariamente próximos da batalha final da luta de classes do proletariado, nos apoiamos diretamente nessas derrotas e não podemos renunciar a nenhuma delas, todas formam parte de nossa força e nossa clareza quanto às metas a alcançar.

As lutas revolucionárias são justamente o oposto das lutas parlamentares. Na Alemanha tivemos, ao longo de quatro décadas, sonoras “vitórias” parlamentares, precisamente marchávamos de vitória em vitória. E o resultado de tudo isto foi quando chegou o dia da grande prova histórica, quando chegou o 4 de agosto de 1914: uma aniquiladora derrota política e moral. Um naufrágio sem precedentes. As revoluções, ao contrário, até agora não nos têm aportado mais que graves derrotas, mas estas derrotas inevitáveis têm acumulado uma sobre a outra a garantia necessária de que alcançaremos a vitória final no futuro.

Mas com uma condição! É necessário questionar em que condições ocorreram as derrotas em cada caso. A derrota ocorreu porque a energia combativa das massas se chocou contra as barreiras de umas condições históricas imaturas ou devido à mornidão, à indecisão, à fraqueza interna que acabou paralisado a ação revolucionária? Dois exemplos clássicos de ambos os casos poderiam ser, respectivamente, a revolução de fevereiro na França e a revolução de março na Alemanha. A ação heróica do proletariado de Paris em 1848 converteu-se na energia de classe para todo o proletariado mundial. Por outro lado, os deploráveis acontecimentos da revolução de março na Alemanha entorpeceram a marcha do desenvolvimento da Alemanha moderna como uma bola de ferro presa aos pés. Estes acontecimentos exerceram sua influência em toda a história particular da Social-Democracia Alemã oficial, chegando inclusive a repercutir nos mais recentes acontecimentos da revolução alemã, inclusive na dramática crise que acabamos de viver.

Como será vista, em tal caso, a derrota da chamada Semana de Espartacus à luz da mencionada perceptiva histórica? Como uma derrota causada pelo ímpeto da energia revolucionária que se chocou com uma situação não madura ou devido às debilidades e indecisões de nossa ação?
De ambas as formas! O caráter duplo desta crise tem sido um dos dados peculiares do episódio mais recente, a contradição entre a intervenção das massas berlinenses, ofensiva, cheia de força, decidida e a indecisão, as vacilações, a timidez da direção. A direção falhou. Mas a direção pode ser criada de novo pelas massas e a partir das massas. As massas são o decisivo, elas são a rocha sobre a qual se baseia a vitória final da revolução. As massas estão à altura, elas fizeram desta “derrota” uma peça mais desta série de derrotas históricas que constituem o orgulho e a força do socialismo internacional. E por isto, florescerá desta “derrota” a vitória futura.

“A ordem reina em Berlim!” Estúpidos lacaios! Vossa “ordem” está construída sobre a areia. A revolução amanhã “se levantará de novo brandindo suas armas com estrondo” e proclamará com suas trombetas: “Era, sou e serei!”

*Este foi o último artigo de Rosa Luxemburgo, escrito no dia anterior a sua morte. Nele reflete sobre o significado histórico da derrota do levantamento de Berlim e sua relação com a revolução socialista internacional. Tradução realizada a partir da versão portuguesa publicada em www.marxists.org e cotejada com a versão em espanhol e inglês do mesmo sítio. Realizada por Leandro Ventura. [Extraído do site da LER-QI]

Aqui jaz a “Rosa Vermelha”

Os 90 anos do assassinato de uma das mais célebres dirigentes revolucionárias de todos os tempos

Por Marina Fuser, estudante da PUC-SP e integrante do Pão e Rosas

(...) Aqui estou deitada nesta cela escura, num colchão duro como pedra, enquanto à minha volta, no edifício, reina a habitual paz de cemitério; parece que estou no túmulo (...) De tempos em tempos ouve-se o ruído surdo de um trem que passa ao longe, ou então, bem perto, sob minhas janelas, o pigarro da sentinela que, com suas botas pesadas, dá alguns passos lentos para desentorpecer as pernas. A areia estala tão desesperadamente sob esses passos, que todo o vazio e a falta de perspectivas da existência ressoam na noite úmida e sombria. E aqui estou eu deitada, quieta, sozinha, enrolada nos véus negros das trevas, do tédio, da falta de liberdade, do inverno – e apesar disso, meu coração bate com uma alegria interior desconhecida, incompreensível, como se debaixo de um Sol radiante eu estivesse atravessando um prado em flor.” (Carta à Sonia Liebknecht)

Essas são as palavras em uma das diversas cartas redigidas no cárcere por uma das dirigentes revolucionárias mais notáveis que a humanidade já conheceu. Eis que em 15 de janeiro de 1919, Rosa Luxemburgo e seu camarada Karl Libknecht são presos e assassinados, possivelmente, por obra direta da social-democracia alemã. Como representante da ala esquerda da socialdemocracia alemã, ela é morta para pôr fim a sua persistente luta contra a política social patriota de apoio à guerra imperialista[1], da direção majoritária da socialdemocracia alemã e da II Internacional[2]. O corpo da revolucionária polonesa, que faleceu antes de completar o seu 48º aniversário, foi encontrado no canal Landwehr em junho do mesmo ano. Aqui jaz uma revolucionária que morreu comprometida até o último suspiro com a luta pela revolução social e pelo fim das classes e hierarquias que dividem a humanidade.

Nascida em 1871, mesmo ano da ilustríssima “Comuna de Paris”, a jovem polonesa já participa de círculos socialistas clandestinos desde que conclui o ginásio em uma escola para moças, em uma Polônia efervescente e contestatória contra o domínio do tzarismo russo. Perseguida pela polícia tzarista, é obrigada a refugiar-se em Zurique em 1888, onde dá início ao ensino superior na cátedra de economia. Em 1890 conhece o jovem lituano Leo Jogiches, seu grande amor de juventude e camarada pra toda a vida. Em 1898, defende a sua tese de mestrado acerca d´O desenvolvimento Industrial da Polônia e em seguida, muda-se para Berlim, afim de trabalhar para a social-democracia alemã. Em seus primeiros trabalhos, trava conhecimento com Clara Zetkin, uma das raras mulheres dirigentes, a despeito das pressões machistas e conservadoras predominante nas altas cúpulas do partido.

Em 1899 publica o trabalho que a consagra frente à ala esquerda do Partido Socialdemocrata Alemão (PSDA). Trata-se de uma polêmica intitulada Reforma ou Revolução?, que combate as posições reformistas de Bernstein, um dos porta-vozes de maior ressonância no partido. Em linhas gerais, Bernstein busca uma via pacífica ao socialismo pela via de reformas, adaptando-se integralmente ao regime parlamentar em detrimento do que há de fundamental no pensamento de Karl Marx. Em defesa dos princípios do marxismo e da revolução social, Rosa trava uma luta cabal, denunciando o revisionismo e oportunismo que sela o triste destino da II Internacional.

Sob o pretexto de insultar o imperador Guilherme II em um discurso público, Rosa é detida pela primeira vez na cidade de Zwickau, na Saxônia em 1904. Em dezembro, retorna à sua terra natal para fortalecer a revolução na Rússia, que tivera início em princípios de 1905. Ameaçada pelo banho de sangue que se seguiu com a derrota da revolução, Rosa é presa e permanece no cárcere até julho, quando embarca rumo à Finlândia, onde é apresentada a Lênin. Seu discurso no congresso do PSDA em Jena também lhe rende dois meses de cadeia. Depois de muita turbulência, Rosa passa a lecionar Economia Política e História Econômica na escola do PSDA. Suas divergências no partido começam a suscitar lutas políticas inconciliáveis. Rosa Luxemburgo contrapôs a espontaneidade das ações das massas à política conservadora da direção socialdemocrata, principalmente após os acontecimentos revolucionários de 1905 na Rússia. Seus vínculos políticos com Kautsky também têm os dias contados, uma vez que este se postula em defesa da monarquia.

Após ter lançado mão de uma retórica sofista em nome da paz, eis que em 4 de agosto de 1914, os parlamentares do PSDA votam os créditos de guerra, solicitando aos trabalhadores que abram mão da luta de classes momentaneamente em prol da defesa da nação junto aos imperialistas na I Guerra Mundial. Sua vasta influência sobre o movimento operário alemão significou uma trégua nas lutas salariais e uma unificação com a burguesia. A atmosfera de traição aberta levou Rosa a se enfrentar com a cúpula de seu partido, quando publica as Teses Sobre as Tarefas da Social-Democracia Internacional, onde sublinha:

A atual guerra mundial reduziu a nada os resultados de quarenta anos de socialismo europeu, arruinando a importância da classe operária revolucionária enquanto fator de poder político (...) Ao votarem os créditos de guerra e ao proclamarem a Sagrada União, os dirigentes oficiais dos partidos social-democratas da Alemanha, da França e da Inglaterra (...) reforçaram o imperialismo na retaguarda, comprometeram as massas populares a suportar pacientemente a miséria e o horror da guerra e assim contribuíram para o desencadeamento desenfreado do furor imperialista, para o prolongamento do massacre e para o crescimento do número de suas vítimas: partilham pois a responsabilidade da guerra e das suas conseqüências. (...) equivale a uma traição aos princípios mais elementares do socialismo internacional, aos interesses vitais da classe operária e a todos os interesses democráticos dos povos. (...) Ao abandonarem a luta de classes enquanto durasse a guerra e ao remeterem-na para o período do após-guerra, a social-democracia oficial dos países beligerantes deu tempo às classes dirigentes de todos os países, de reforçarem a sua posição a expensas do proletariado no plano econômico, político e moral. A guerra mundial não serve nem a defesa nacional, nem aos interesses econômicos ou políticos quaisquer que sejam; é unicamente um produto de rivalidades imperialistas entre as classes capitalistas de diferentes países pela supremacia mundial e pelo monopólio da exploração e da opressão das regiões que ainda não estão submetidas ao Capital.

Em consonância com Leon Trotsky, Rosa defende que os operários lutem em prol dos seus interesses de classe, pela revolução social, lembrando o triste episódio da “Comuna de Paris”, em que em plena guerra franco-prussiana, a burguesia francesa alia-se à burguesia inimiga para esmagar a classe operária francesa que empossara-se do poder na cidade de Paris. Resultado: sangue francês escorrendo pelas mãos de uma aliança espúria de uma burguesia que prefere, via de regra, defender os seus interesses de classe aos interesses nacionais. A traição da social-democracia ao votar os créditos de guerra em sua bancada parlamentar em nome dos interesses nacionais não só acarreta em um novo banho de sangue, mas coloca a classe operária a deriva da ascensão do nacionalismo que vem a surgir no após-guerra.

Eis que no seio do PSDA, surge a Liga Spartakus, núcleo de esquerda dirigido por Rosa e seu camarada Karl Libknecht, que se orientará por um programa revolucionário a despeito da guinada à direita da cúpula do partido.

A Revolução Russa de 1917 trouxe à Alemanha novas esperanças. Presa por sua agitação política contra a guerra, Rosa elabora em sua cela escritos sobre a Revolução Russa, onde defende a Revolução Russa como “o fato mais prodigioso da guerra mundial”, atribuindo o fato à classe operária russa, que toma consciência de suas próprias forças por sua própria experiência. Aqui se dá a polêmica de Rosa Luxemburgo, que se apóia na ala minoritária do II Congresso do Partido Social-Democrata Russo de 1903, que ao ser voto vencido acerca do programa, das táticas e da organização do Partido e em defesa das “velhas organizações soltas” e contra “estatutos de organização inspirados no espírito do centralismo” (nas palavras de Lênin, em sua carta-resposta). A supervalorização de Rosa a expontaneidade das massas e sua incompreensão dos princípios que norteiam o centralismo democrático, que em nada condiz com o “ultra-centralismo” descrito pela autora em Partido de Massas ou Partido de Vanguarda, a conduzem a erros e imprecisões bastante graves. Mas isto não impede Lênin de prestar suas homenagens fúnebres, pouco tempo depois de seu assassinato: “A esses (críticos) responderemos com um velho ditado russo ‘Às vezes, as águias descem e voam entre as aves do quintal. Mas as aves do quintaljamais se elevarão até as nuvens. (...) Mas apesar de seus erros, foi para nós e continua sendo uma águia”.

A Revolução Alemã de 1918 foi derrotada; Rosa depositara todas as suas esperanças na luta pelo fim das classes e por devolver a dignidade que foi usurpada da espécie humana. Em 8 de novembro em Berlim, eencontra-se livre para dar sua última batalha. Pelo jornal Die Rote Fahne (A Bandeira Vermelha), escreve os artigos inflamados. Participa da fundação do Partido Comunista Alemão em 31 de dezembro. Mas o curso da história segue um rumo diferente do que defendia a nossa revolucionária. A República de Weimar sela o triunfo da Social-Democracia Alemã, mas não são os operários que se encontram no poder. A revolução é traída, e Rosa, assassinada. A classe operária alemã caminha rumo à ascensão do nazismo, e o futuro não promete um futuro vermelho.

Rosa Luxemburgo foi indiscutivelmente uma das grandes dirigentes de proletariado revolucionário internacional. Uma mulher que deu um combate a ferro e a fogo em prol de suas posições, em nome da revolução social, e do fim da opressão e da exploração que subordina a maioria dos seres humanos. A 90 anos de seu assassinato, a classe operária de conjunto deve muito à ilustre "Rosa Vermelha".
Notas
[1] Frente à guerra o SPD se dividiu em três tendências diferenciadas: a direita, que progressivamente foi adotando uma política imperialista de apoio a guerra; os chamados marxistas de centro liderados por Kautsky (apelidado por Rosa Luxemburgo de "líder do pântano"), quem sustentava uma postura anti-guerrerista limitada; e a ala revolucionária, da que Rosa Luxemburgo era sua principal inspiradora, que denunciavam o caráter imperialista da guerra e chamavam a derrotá-la mediante a revolução.
[2] Antes disso, no 20 de fevereiro de 1914, Rosa Luxemburgo foi detida por incitar os soldados à rebelião.

*Leia também o artigo "Rosa Luxemburgo" de Bárbara Funnes no livro "Lutadoras. Histórias de mulheres que fizeram história". São Paulo: Edições Iskra, 2009.